terça-feira, 7 de dezembro de 2010

BELADONA E SEUS VÁRIOS MARIDOS, Conto Premiado de Silas Correa Leite




Exercícios Urbanos
Portal Literal 1.0, Rio de Janeiro (RJ) • Fundação Petrobrás

O vencedor do concurso Exercícios Urbanos do mês foi Silas Correa Leite, com "Beladona e seus vários maridos". Ele ganhará um vale-livros de R$ 300 da Livraria Cultura. Veja também os outros classificados. Curadora: Heloisa Buarque de Hollanda
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Beladona e seus vários maridos
Silas Correa Leite


Beladona, ou melhor, a Professora de Ciência, Biologia e Matemática, Benedita Izidrom Castaquali, vulgo Beladona, tinha certamente a fórmula perfeita e muito bem acabada do Verbo AMAR em todos os seus sentidos, até explícitos. Inicialmente cinco era a quantidade exata de sua felicidade plena. A ciência da multiplicação de desejos. A matemática da soma de tanta libido. A biologia da zona de fricção. Casou cedo com um tipinho, por paixão louca, amor a primeira vista e o pai portuga cobrando em cima da barriga de quatro meses, depois amor à prestação, depois tédio conjugal, duplicata vencida do desejo, não satisfeita, claro, deu um pé no traseiro do sujeitinho mais folgado do que a Ângela Ro Ro de cueca, e partiu pro trabalho constante e para o estudo direto e multiplicador de posses e afins. Era mulher de verdade mas não era Amélia, claro.

Anos depois, apagado o pito, sossegado o facho, o segundo marido-homem que lhe deu então, três filhas, Judite Flor, Esther Leão e Nara Estrela. Malemal as meninas fizeram o primário, ela largou o fofo que tinha alguma bufunfa (e valera-se disso) e viveu-se livre, leve e solta. Free Again, dizia. Numa vigem de férias para o litoral norte de São Paulo, festeira que era, toda trancham decolou o terceiro marido vítima. Lá foi morar junto, tentar ser feliz, custasse o que custasse, doesse o que doesse. E pra ela ser feliz era a paixão aloucada, que, por algum motivo, desgaste ou enjôo, não durava muitas luas. Imagine só.

As filhas moças, e a Beladona resolveu comer marmita fora. Terceirizar, por assim dizer. Partiu literalmente para o quarto concubinato-entrave. Traía-se consigo mesma às vezes. Era do feitio amoroso dela. E ali se apoquentou um pouco, achando que, quem comia o filé, haveria de querer comer também o osso. Já pensou, num país latino de histórica machice adquirida? Mas, claro, poderosa, liberal, signo de escorpião em tudo, a Beladona não quis alguém pra envelhecer ao seu lado. Queria jovens na muda. Literalmente deu com os burros nágua. Onde já se viu isso?

O maridinho janota e boçal, gaúcho saradinho da silva, tava com olho torto pro lado de uma outra, dando em cima e embaixo de uma ruiva vizinha pedaçuda, que se aproveitou em desfrute no côncavo e convexo da íntima zona de fricção. E pôs-se chapéu de vaca, com a Beladona ardente ficando fula da vida ao saber do porqueira em tapeação. Benza-Deus. Então a Beladona se aborreceu, correu fazer curso de esoterismo, leu Neruda, ouviu Cauby Peixoto, Pixinguinha, deu-se um tempo que tinha que aprender alguma lição com as cacetadas do verbo existir também. Beladona deu-se um desencargo de consciência, segurou muito bem o tchan, por assim dizer. Mas a vida é madrasta e Deus é pai. E a Beladona na vacância de uma paquera e algumas ficanças...se encafifou, onde já se viu, com um colega de trabalho na escola, professor de sua área. Só por Deus.

Quando se viu, estava multiplicando sonhos e explicitudes gozosas de prazeres e felicidade por atacado. Era o outro marido-vítima da Beladona. Como tudo, em tese, tem começo, meio e fim, a dádiva paixão também por mais pegajenta ou viajosa que seja, o professor foi para outra escola e, tiau. A Beladona azedou a polenta da vida, e, um dia, fui, deu um chega pra lá no frouxo do maridinho-mané, e, novamente, claro, deu Beladona nas pensões alimentícias – ganhava mais do que os machões varões - uma delas para o pai das herdeiras chiques e embonitadas.

Conversa vai, conversa vem, um dia a bendita Beladona estava com olhares maviosos e surgiu com cantada doce de aprendências em labutas. Beladona começou a sondar calendários, renúncias e pertencimentos. Foi nessa. Isso na segunda-feira. Depois, na terça-feira da semana, estranha coincidência, a Beladona com sininhos no coração. Pior foi na quarta-feira, dia de batente, e lá surgiu a Beladona parecendo uma penteadeira sonora de cigana. Ali teria os ex-patos-vítimas? Que nada. Na quinta-feira a Beladona lá estava pendurada em lustre, sem ter lustre. Será o impossível? Desconfiei, encafifado.

Pois não é que, na sexta-feira boêmia depois do dia de gandaia, a Beladona tava, de namorico, assanhada pro forfé? Onde há balaio há tampa, diz o ditado arigó. A Beladona tava jogando em todas as posições de ataque no time do amor? Mala e cuia. Estava saindo com os seis ex e alguns possíveis retornos de quase futuros. Cruzava, cabeceava pro gol e ainda defendia. Já pensou? Ai do amor! Pior: se descansava um sábado, falhava a encomenda de um contato, o ex era convertido crente sabatista de ocasião ou tava de pilequinho-ressaca brava, ela ainda dava uma paquerada por atacado, fogo na canjica das emoções atiçadas. Hormônio? Antes fosse. Antes fosse. Ninguém merece. Domingo ainda ia à feira do bairro sondar um português cheio de gíria, sotaque graúdo e sortido, e com um sapato 48 de tamanho maroto. Não estava encalhada e nem carecida mas, ia com a corda toda, em franca atitude de seduzir e de, nos seixos íntimos dar uma calibrada e pra isso tentando um novo serviço corpóreo de lubrificação corpo a corpo.

Depois, saquei o jogo dela: ela abria-se em leque do maquiavelismo interior, gostava do ex, da segunda-feira, seu primeiro amante, que a tinha inaugurado por dizer assim, um homem que a marcara bem, um cearense de olho azul meio brucutu, espingarda de grosso calibre, ainda que algo zarolho e desengonçado, para explicitar o mimo do vareio de amor. Era o número um na sua cotação marital. Mas fora isso o tipo musculoso era lerdo de raciocínio, néscio por demais, porqueira mesmo. Amontoado em casa, sem cair no batente, dar no couro financeiramente, prover o entojo do lar. Era só primeiro e referencial e pronto. Vá nessa.

O da terça-feira, dizia, era um japonês babaquara mas cheio da grana, o lazarento, filhinho de papai, olho de jabuticaba e cheirando a ouro e cocaína. Dose dupla. Era cotação três na sua pirâmide do amor. Tinha lá seu lado doador, sua ternura explícita, sua marca humanista de dar presentes e alegrar ambientes, e lhe dera carinhoso, mimos, balas importadas e muito amor ao estilo bem oriental.

O da quarta-feira era um safado de primeira. Cusarruim do dianho. Tarado, pervertido por assim dizer, e, pior: amante "caliente", babão, de deixar poesia no criado-mudo, fazer serenatas, improvisar guarânia brega no violão encardido. Declamava Vinicius de Moraes que até o poema parecia delezinho mesmo. Cantava Roberto Carlos melhor do que o Roberto Carlos. Tinha mais voz, tinha peito. As quartas eram nobres, portanto.

O da quinta-feira era um caipora de uma figa, um estrupício de marca maior. Bandido, mas ainda assim porqueira carente, ladrão em jogos de baralhos de clandestinos cassinos improvisados onde montava arapucas para pegar peixe grande. Lidava com traficantes, era amigo de antros de escorpiões de máfias e quadrilhas de contrabandistas informais que posavam de novos ricos neoliberais e traçavam engodos na globalização, até nas privatarias, as tais privatizações-roubos. Levava uma vida peregrina, caçando golpes para se enricar, só faltava mesmo ser das torcidas Mancha Verde ou da Independente Gay, melão em fio de navalha.

Só que o show da vida nas relações amorosas tem que continuar. No sábado de manhã quando algum dos agendados ex falhava, faltava com a palavra ou dava no pira pra uma pescaria ou biscate nova com seio de manga-sapatinho, a Beladona sentia a carruagem de abóbora na alma e pegava desconfio, baixa estima. Mas ainda era o que era, era a Beladona poderosa, o verbo amar era especial pra ela, razão de ser e de viver, não trocava nenhum dos seus tantos por qualquer Brad Pitt da vida ou muito menos Leonardo de Caprio. Onde já se viu?

O da sexta-feira era mais feio do que filhote de cruz-credo atrás de calipial, o último na escala da relação causa e efeito, o que até poderia ser descartável, mas a Beladona o adorava físico e espiritualmente pra custeio e refinamento. Era o seu bibebô sexual, seu inocente, puro e burro, o seu anãozinho de jardim, viçando assim ao seu lado maternal todo freudiano que muito a excitava sexualmente. Vá saber a loucura dos manejos assim.

Repito: no sábado a Beladona punha roupa no varal, a perereca na janela (lavou tá novo), e os abusados, claro, punham, depois dos usufrutos dos desfrutes a bengala pra descansar. Brinquei com ela, que ela deveria por a verdadeira jóia corpórea numa jaula para respirar ar puro e florais de ventos que solam Bach.

Mas a danada confirmou:

– No domingo ainda saio com o Joaquim Madeira, aquele dono de três barracas de pastel na feira. O homem não é fácil. Gamou e eu estou no desfrute.

O danado vai botar palmito na azeitona dela. Panela acesa é que faz freguesia boa?

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